Por C. R. Synder e Shane J. Lopez

Discutimos o conceito de gratidão, que recebeu pouca atenção an­tes das duas últimas décadas. Inicialmente definimos gratidão; a seguir, discutimos como ela pode ser cultivada e medida, ana­lisamos suas bases fisiológicas e encerra­mos com um exemplo da vida real. O termo gratidão é derivado do con­ceito latino gratia, que implica alguma va­riante de graça, gratidão, cortesia. As ideias que vêm dessa raiz latina estão relacionadas a “gentileza, generosidade, dádivas, a bele­za de dar e receber”. Nas palavras do renomado pesquisador da Universidade da Califórnia Robert Emmons (2005, comunicação pessoal), a gratidão surge a partir do reconhecimento de que se obteve um resultado positivo de outra pessoa que se comportou de maneira

  1. onerosa para si mesma;
  2. valiosa para quem recebeu; e
  3. intencional.

Como tal, a gratidão está relaciona­da à inclinação a apreciar e saborear even­tos e experiências do dia-a-dia. Na definição de Emmons, o resultado positivo parece ter vindo da outra pessoa; contudo, o benefício pode ter sido derivado de uma ação ou um evento não-humanos. Por exemplo, o indivíduo que pas­sou por um evento natural traumático como a sobrevivência de um membro da família a um furacão tem uma sensação profunda de gratidão. Nessa linha, já se sugeriu que os eventos de grande porte deveriam gerar níveis mais elevados de gratidão. Além disso, Ortony, Clore e Collins (1988) afirmaram que a gratidão deveria ser maior quando as ações da pessoa que dá são consideradas dignas de elogios e quan­do se desviam positivamente daquilo que era esperado.

Em mais um exemplo de gratidão, uma pessoa pode ter passado por uma crise ou problema de saúde grave e descobrir benefícios nessa experiência. Esse último processo se chama encontrar benefícios. Assim como acontece com o altruísmo, é provável que a capacidade de empatizar seja uma con­dição necessária para que se sinta gratidão em relação a outra pessoa.

A gratidão é considerada como uma propensão humana valorizada nas tradi­ções hindu, budista, muçulmana, cristã e judaica. Sobre essa questão, o filósofo David Hume (1888, p. 466) chegou a dizer que a ingratidão é “o mais horrível e inatural dos crimes que os seres humanos são capazes de come­ter”. Segundo o estu­dioso medieval São Tomás de Aquino (1273/1981), a gra­tidão não apenas era considerada benéfi­ca para o indivíduo, mas também serve como força motivacional para o altruís­mo humano.

Dos pensadores famosos que comen­taram sobre a gratidão, somente Aristóteles tinha uma visão desfavo­rável a seu respeito. Em sua opinião, as pessoas autossuficientes eram inflexí­veis em relação a suas autossuficiências e, por isso, viam a gratidão como de­gradante, como um reflexo de dívida desnecessária para com os outros.

Cultivando a gratidão

Começamos esta seção com as pala­vras do escritor Charles Dickens (1897, p. 45): “Reflita sobre suas bênçãos atuais, das quais todo homem tem muitas, e não so­bre seus infortúnios passados, dos quais todos têm algum”. Mais recentemente, os psicólogos Robert Emmons e Michael McCullough exploraram uma série de ma­neiras de ajudar a melhorar seu sentido de gratidão. Essas interven­ções com vistas a aumentar a gratidão re­sultaram repetidamente em benefícios. Por exemplo, em comparação com as pessoas que registraram (eventos estressantes) neutros ou negativos em seus diários, os que escreviam diários de gratidão (ou seja, registravam eventos pelos quais eram gra­tos) eram superiores em termos:

  1. da quantidade de exercício que faziam;
  2. do otimismo em relação à semana se­guinte; e
  3. de se sentir bem em relação a suas vi­das.

Além disso, os que tinham diários de gratidão relatavam mais entusiasmo, esta­do de alerta e determinação, e tinham bem mais chances de fazer avanços em direção a objetivos importantes em relação a saú­de, relações pessoais e desempenhos aca­dêmicos. De fato, os que participavam da condição do diário da “contagem de bên­çãos” tiveram mais probabilidades de ter ajudado outra pessoa. Por fim, em um terceiro estudo da trilogia de Emmons e McCullough (2003), pessoas com proble­mas neuromusculares foram designadas aleatoriamente a uma condição de grati­dão ou a uma condição de controle. Os resultados demonstraram que as que estavam na primeira condição eram:

  1. mais otimistas;
  2. mais enérgicas;
  3. mais conectadas a outras pessoas, e
  4. tinham mais probabilidades de ter sono relaxante.

Uma forma de meditação japonesa co­nhecida como Naikan aumenta a sensação de gratidão da pessoa. Usan­do-a, aprende-se a meditar diariamente sobre três questões relacionadas à gratidão: Em primeiro lugar, o que recebi? Em se­gundo, o que eu dei? E em terceiro, que problemas e dificuldades causei aos outros? Nas sociedades ocidentais, podemos ser bastante automáticos em nossas expecta­tivas de confortos materiais; a meditação para a gratidão ajuda a trazer esse proces­so mais para a consciência, de forma que possamos aprender a como apreciar essas bênçãos.

Um comentário adicional merece ser feito em relação à gratidão e à motivação. Em uma entrevista, perguntou-se ao Dr. Emmons (2004) em relação ao pressuposto incorreto mais comum que as pessoas têm sobre a gratidão. Respondendo, ele obser­vou que muitas pessoas pressupõem que a gratidão é sinônimo de falta de motivação e mais complacência na vida. A seguir, disse que nunca havia visto um caso em que ela estivesse vinculada à passividade. Pelo con­trário, a gratidão é um processo ativo e de afirmação.

As bases psicológicas da gratidão

Embora não tenhamos conseguido lo­calizar pesquisas relacionadas diretamen­te com psicofisiologia e gratidão, existem estudos sobre apreciação. Enquanto a gra­tidão geralmente se refere às atitudes de outra pessoa, a apreciação pode ou não implicar outro indivíduo. Todavia, esses dois conceitos certamente são bastante se­ melhantes, e é por essa razão que explora­mos aqui, resumidamente, a psicofisiologia da apreciação. Embora a frustração costu­me evocar ritmos cardíacos desordenados e erráticos que refletem uma falta de sinto­nia entre os ramos parassimpático e sim­pático do sistema nervoso autônomo, a apreciação produz um padrão mais coeren­te de ritmos cardíacos.

A apreciação também produziu outra forma de coerência fisiológica, a sincronia entre as atividades das ondas cerebrais alfa (a partir de eletroencefalogramas, os EEGs) e os batimentos cardíacos. Em pesquisas realizadas por (McCraty, 2002; McCraty e Atkinson, 2003), por exemplo, em manipu­lações experimentais da apreciação em re­lação ao nível de referência, a sincronia en­tre batimentos cardíacos e EEG foi maior no hemisfério esquerdo.

A gratidão bate à porta

Quando (C.R.S.) estava escrevendo esta parte do capítulo, passei por um inci­dente que evocou um sentimento profundo de gratidão. Esse evento teve um início comum: nosso vaso sanitário começou a vazar água pela parte debaixo. Durante anos, nosso encanador, Tommy, tem feito os consertos necessários com a mesma de­dicação alegre. Quando o chamamos des­sa vez, ele prometeu que daria um jeito de encaixar nosso banheiro em sua agenda ocupada. Com sua costumeira alegria, che­gou na manhã seguinte, cedo, e passou horas tentando encontrar o problema, que acabou sendo uma pequena rachadura na parte debaixo. Quase ao meio-dia, Tommy disse que só conseguiria instalar o vaso novo no dia seguinte porque tinha de ir a um enterro naquela tarde. Fiquei aliviado, contudo, com o fato de que ele tivesse ti­rado um tempo para vir e começar o pro­cesso. Somente mais tarde soube da infor­mação que era de arregalar os olhos: o en­terro era de seu próprio filho, já crescido! Ele não mencionou isso; e, em sua típica maneira altruísta, havia nos ajudado no mesmo dia em que seu filho estava sendo enterrado. Usando a definição discutida an­teriormente de gratidão, de Emmons, nos­so encanador intencionalmente nos pres­tou um serviço valioso quando isso lhe cus­tava muito.


Snyder, C. & Lopez S. (2009). Empatia e egotismo, portais para o altruísmo, a gratidão e o perdão. in: C. Snyder, S. Lopez, (Ed.), Psicologia Positiva: Uma abordagem científica e prática das qualidades humanas. (pp.247-252). Porto Alegre/RS: Artmed.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *